Deixar para depois…
Por Eugênio Mussak
…Ou fazer agora? A louça que deixamos na pia ou o relatório que postergamos completar. como mediar o desejo imediato com a satisfação da tarefa cumprida.
Perguntas impertinentes: você já deixou para fazer amanhã algo que, no fundo, você tinha esperança que não precisasse ser feito? Já pensou seriamente em não levantar da cama pela manhã? Já ficou na cama apesar de ter se comprometido com a academia? Já cabulou uma reunião com uma desculpa esfarrapada? Ficou, alguma vez, navegando pela internet em vez de escrever aquele relatório ou artigo? Já fez uma ou mais dessas coisas acima? Ótima notícia, você é humano. Aliás, excessivamente humano. Eis uma de nossas principais marcas registradas.
Travamos internamente, todos nós, uma luta inglória entre dois inimigos mortais: a necessidade e o desejo. O que devemos fazer e o que desejamos fazer. Há uma disputa permanente entre esses dois atores poderosos que buscam ocupar a sala de comando e definir nosso comportamento. Pessoalmente, confesso que convivo com essa praça de guerra desde sempre, e, como os dois estão dentro de mim, fazem parte do mesmo ser, que sou eu mesmo, eu sempre ganho a batalha, não importa quem levou a melhor. E também sempre perco, não tem jeito. Essa talvez seja uma das maiores angústias do ser humano.
Como ter disciplina, priorizar, focar, não procrastinar, e, acima de tudo, como resistir aos impulsos? Como dedicar tempo, atenção e esforço para fazer algo que, comparado com outras coisas que estão ao alcance da mão, são muito pouco prazerosas? É bem possível que o melhor caminho seja a famosa tomada de consciência, que neste caso significa a percepção de que tudo o que fazemos, ou que não fazemos, terá uma consequência em algum momento. Cedo ou tarde.
Em geral, dedicar-se com empenho a um trabalho monótono, mas necessário, terá como resultado mais provável o encontro com o prazer ou o não encontro com o desprazer. Se você acaba de jantar e se depara com a tarefa de lavar a louça, vai se pegar pensando que poderia ocupar aquele tempo lendo um livro, ouvindo música ou assistindo tevê. E isso vai gerar uma batalha interna. Não tem como evitar. Mas vamos colocar essa situação em perspectiva? Se você se dedicar à tarefa, certamente experimentará um grande prazer ao final: de ter feito, de ter vencido sua indolência, seu Macunaíma particular. Além de sentir-se bem em um ambiente limpo e organizado. Prazer puro. Na outra mão, se você simplesmente larga tudo como está, com a desculpa de que trabalhou muito, estará criando uma situação sem volta. A louça não se lavará sozinha. Ficará lá, inerte, paciente, até a hora do café da manhã e o início de um novo dia. E não tem nada pior do que começar um novo dia realizando tarefas do dia anterior, vamos concordar.
Vida cruel. Portanto, priorizar o que se precisa e se deve fazer tem o mérito de entregar satisfação ao final da tarefa e, não menos importante, evitar um desprazer maior, que fatalmente chegaria. Esse tema não é novo. Foi uma das áreas de atenção de (Sigmund) Freud, o psicanalista, que se indagava por que o homem, sabendo que está construindo sua infelicidade, insiste na obra. Esse assunto interessou a praticamente todos os pensadores da psicologia humana, além de ter sido citado pelos filósofos. Aristóteles, por exemplo, nos alertou que cuidássemos de nossos pensamentos, pois eles virariam ações, que criariam hábitos, que estruturariam nosso caráter, que, por sua vez, definiria nosso destino.
Na década de 1960, o psicólogo austríaco Walter Mischel voltou ao assunto em uma pesquisa conhecida como “O Teste do Marshmallow”. Funcionava assim: ele oferecia um marshmallow, ou outra guloseima, para uma criança em idade pré-escolar, com a informação de que se ela não comesse imediatamente mas esperasse alguns minutos, ganharia mais um. O dilema era: eu avanço já sobre o marshmallow, aguçando meu desejo e acalentando um instante de imenso prazer, ou espero um pouco, não sei bem quanto tempo, e vou ganhar a oportunidade de ter o prazer em dobro? Prazer imediato garantido versus prazer maior mais tarde.
O que você escolheria, caro leitor, se tivesse apenas 5 anos de idade? A descrição das reações dos pequenos provoca riso e pena. As decisões foram diferentes, bem como as estratégias adotadas, principalmente pelos que resolveram esperar. Alguns desviavam o olhar ou falavam sozinhos, sempre na expectativa de encontrar forças para resistir.
Pode parecer maldade, mas aquele teste estava apenas simulando uma das milhares de situações com as quais eles ainda se defrontariam pela vida afora. Sim, todos nós temos nossos marshmallows, escolhas, dúvidas sobre como usar nossos esforços a cada momento da vida. Duas conclusões importantes foram encontradas pelo pesquisador. A primeira só foi percebida anos depois. As crianças que participaram do teste foram acompanhadas até a vida adulta e a observação foi surpreendente. Os pequenos que resistiram ao impulso e postergaram o prazer tiveram indicadores mais favoráveis na vida.
Acontecimentos como casamentos mais estáveis, carreiras mais exitosas, habilidade para ganhar dinheiro, e até saúde física e índice de massa corporal menor. Surpreendente, não? Não para os estudiosos do comportamento. Eles sabem que a força para resistir aos impulsos se transforma em poder de realização. A segunda conclusão é alentadora. Essa qualidade pessoal é, sim, algo que pode ser ensinado, aprimorado, desenvolvido, incorporado. Não é inato. Por isso a pedagoga inglesa Margaret Dawson, uma voz respeitada quando o tema é educação, propõe algumas mudanças no sistema educacional, e o principal é a inclusão do que ela chama de habilidades executivas nas meninas e nos meninos, sendo a primeira a capacidade de resistir a impulsos. O resto será consequência, acredita ela.
Para pensar… Quanto a mim, ainda me debato com essa dificuldade que, tantas vezes, se transforma em procrastinação, com consequências pouco agradáveis. Não que sirva de consolo, mas sei que não estou só. O próprio Mischel começa seu livro O Teste do Marshmallow (Objetiva), declarando sua dificuldade. “Autocontrole nunca foi meu forte”, confessa sem pudor. Ufa!
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